Nenhuma empresa sobrevive por muitos anos sem entender como explorar com um certo grau de maturidade o mercado que a cerca. Acompanhar as variações e movimentações dos concorrentes, fornecedores e clientes é o que garante que as estratégias, criadas internamente, reverberem positivamente em um mercado cada vez mais competitivo. É nesse contexto que se faz uso das metodologias de Inteligência Competitiva ou Inteligência de Mercado.
Acompanhar todas as informações disponíveis não é possível, ou se for, tem um custo alto demais e dificilmente proverá resultados interessantes. Afinal, alguém precisará cruzar todas as informações a fim de entregar algum insight. Por esse motivo é preciso priorizar aquilo que é mais relevante. Porém, chegar no que é mais relevante nem sempre é tão óbvio quanto parece.
Fuld (2007) se referia à Inteligência Competitiva da seguinte maneira:
Inteligência é usar a informação de forma eficiente e tomar decisões com uma imagem menos que perfeita. É ver claramente sua concorrência, compreender a estratégia e agir antecipadamente com esse conhecimento. Se você é o primeiro a ver a imagem claramente, você percebe que está à frente do mercado e de sua concorrência.
Dentro dessa lógica da imagem menos que perfeita é reforçado o conceito de trabalhar com aquilo que se tem acesso ou que se terá um menor esforço para se conseguir, mas que de maneira eficiente, levará a bons resultados.
Em um clássico exemplo da explicação dos conceitos de Inteligência aplicada a negócios, faz-se alusão a um quadro sendo pintado por pinceladas. Aquele que enxerga antes dos demais concorrentes o quê está por vir, qual imagem aquele quadro irá se transformar, sairá na frente e obterá vantagem competitiva.
Origens da Inteligência Competitiva
A Inteligência Competitiva não é algo novo. Na verdade, em seu formato de aplicação mais primitivo, ela é um comando de Deus dado a Moisés no Antigo Testamento, em que Deus fala:
Envia homens para explorar a terra de Canaã, que eu hei de dar aos filhos de Israel. Enviarás um homem de cada tribo patriarcal, tomados todos entre os príncipes.
E certamente esse não foi o primeiro uso da busca por conhecimento em “mercados desconhecidos”. De origem militar, ela foi utilizada por muitas antigas civilizações com o objetivo de reduzir incertezas de batalhas que viriam, ou, baseado nas informações coletadas, batalhas que seriam evitadas.
Nos tempos mais modernos, a Inteligência Competitiva tem suas origens nas práticas e conhecimentos da Inteligência militar e governamental. Muitos pioneiros em Inteligência vieram de diversas organizações governamentais. Esses profissionais trouxeram uma série de conceitos e insights que foram refinados ao longo dos séculos. (Prescott e Miller, 2001)
Ética e Legalidade
Apesar de sua origem militar, é importante entender que não se utiliza no mundo empresarial todo o ferramental aplicado pelas agências de Inteligência militares e governamentais, já que em muitos casos, faz-se uso de métodos considerados anti éticos e que são desnecessários para a finalidade buscada, que é obter vantagem competitiva.
É possível, sem sombra de dúvidas, alcançar as informações necessárias sem ferir algum código de conduta ou lesar qualquer parte envolvida, considerando inclusive que agir de tal maneira é considerado crime.
Dumaine (1998) compara e sintetiza a Inteligência Competitiva à “arte de espionar legalmente os concorrentes”. Lopes (2010) diz:
[…] a Inteligência Competitiva (IC) tem como base o monitoramento de todos os componentes do ambiente organizacional (econômico, ambiental, sociocultural, tecnológico, político e mercadológico), por meio da coleta, análise e disseminação de informações, de maneira a detectar as oportunidades e ameaças advindas deste […] garantindo a longevidade da organização […]. Tem como premissa ser um processo ético e legal.
No passado, talvez pela escassez de informações disponíveis, fazia-se sentido a busca de informações por vias anti éticas, porém na Era da Informação, onde tantas informações se encontram a poucos cliques, a capacidade de priorizar e estabelecer processos de Inteligência é que tornam uma operação de coleta e disseminação da Inteligência realmente eficientes.
Ciclo da Inteligência Competitiva
O Ciclo de Inteligência, aplicado continuamente e adaptado à realidade de cada organização, é o alicerce para a construção de sentido das informações coletadas no meio interno e externo. Prescott e Miller (2001) definiram o ciclo em 5 etapas, que são explanadas por Faria (2016):
- Identificação das Necessidades: Nesta etapa se entende quais as necessidades da organização quanto às questões de IC.
- Criação da Base de Conhecimento: Etapa na qual é definida onde a informação será buscada e armazenada para posterior utilização.
- Coleta: Etapa onde todos os dados necessários para auxiliar a tomada de decisão são coletados. Busca-se atender às demandas identificadas na primeira etapa, priorizando os dados de acordo com sua relevância.
- Análise e Produção: Transformação dos dados coletados em Inteligência. É nessa etapa que os dados tomam sentido para a organização e os insights são gerados. Os produtos da Inteligência são produzidos nessa etapa e já estão prontos para disseminação.
- Disseminação: Etapa da entrega dos produtos de IC para os tomadores de decisão ou partes interessadas. É necessário nesta etapa adequar a disseminação à realidade de cada usuário final do produto.
Lopes (2016) estabelece o Smart Function – CI, com 6 etapas, explanadas por Faria (2016):
- Sensemaking e Benchmarking: Compreensão do ambiente no qual a empresa está inserida e quais as melhores práticas para coleta, ferramentas, tecnologias, produtos de Inteligência, estrutura e operação.
- Visão de Futuro: Estabelecimento dos objetivos de curto e longo prazo da operação de IC.
- Lógica Locacional: Definição da estrutura de operação da função de IC.
- Dimensionamento de Recursos: Após a definição de como será operacionalizada, é feito o levantamento de quais recursos serão necessários para o sucesso da operação.
- Produtos de Inteligência: É a etapa onde o fruto do planejamento e execução gera resultados para a organização e para a tomada de decisão.
- Estratégia de Disseminação: Definição dos melhores canais para distribuição da Inteligência dentro da organização, de acordo com cada perfil profissional em questão.
Tecnologias no Apoio à Inteligência Competitiva
Engana-se quem acredita que a Inteligência Competitiva é dependente ao uso de ferramentas como Big Data, BI, Data Analytics, entre outros. É verdade que em determinados momentos essas ferramentas podem auxiliar na construção de sentido e na captação de informações, porém por si só não são suficientes.
Com o potencial para serem usadas nos níveis Estratégico, Tático e Operacional, essas ferramentas citadas são verdadeiros curingas e não entregam valor sem a devida construção de sentido. Se as perguntas corretas não forem feitas, teremos então uma enorme quantidade de dados e uma falsa sensação de segurança para atuação.
Além disso, essas tecnologias, quando se trata de empresas de grande porte, estão sendo amplamente adotadas, como foi o caso do ERP há alguns anos no Brasil. Hoje já não conferem diferencial por si só na execução da Inteligência.
Sabendo das ressalvas que precisamos ter quanto ao uso indiscriminado da tecnologia (que fique claro, elas estão aí para nos ajudar), é necessário ter em mente o papel que elas podem conferir a uma função ou equipe de Inteligência. Segundo Lopes (2017), existem 4 finalidades nas quais as tecnologias podem auxiliar na execução da Inteligência Competitiva, que são:
- Aumentar a produtividade da equipe de Inteligência por meio da automação da coleta de dados, podendo assim o analista focar nas etapas que geram valor aos dados coletados, sendo esses as análises e recomendações.
- Apoiar nas análises, a fim de aumentar a qualidade das mesmas. Nesse caso trata-se de situações onde existe uma grande massa de dados a serem analisados.
- Na disseminação da Inteligência, apoiando o processo e sintetizando informações.
- No condensamento das informações de análises prévias já criadas, possibilitando a variação em visões distintas e alterando as variáveis cruzadas.
Podemos listar as tecnologias de maior relevância para a IC, não excluindo outras não citadas:
- Ferramentas de acesso a publicações/notícias
- Ferramentas de busca
- Ferramentas de acompanhamento de sites de concorrentes
- Ferramentas para centralização de informações coletadas
- Big Data
- Data Analytics
- Data Mining
- Data Warehousing
- Redes Neurais
- BI
- GIS
- CRM
- Ferramentas de planilhas (Excel)
- Ferramentas de apresentação gráfica (Power Point)
É importante citar que boa parte dos softwares utilizados para Inteligência Competitiva podem ser encontrados em versões open source, sem que haja a necessidade de investir em licenciamento. Tais soluções gozam de boa credibilidade e amplo uso por profissionais de diversas áreas, estando em par de qualidade ou muitas vezes superioridade com ferramentas pagas.
Para operações mais simples e sistemas menos robustos, é possível construir uma área de Inteligência usando poucas ferramentas, tais como o Excel, Google Alerts e Google News. O Excel servirá para organizar os dados coletados, Google Alerts para mapear acontecimentos de um determinado mercado e palavras-chave, além do Google News, para reunir as notícias de forma estruturada.
De acordo com o ciclo proposto por Prescott e Miller (2001), a tecnologia é passível de ser inserida em todas as etapas. Tendo em mente as 4 finalidades definidas por Lopes (2017), cabe à sua empresa entender quando é o momento de lançar mão desses recursos.
Produtos de Inteligência e Estratégias de Disseminação
Após a definição das prioridades, levantamento das informações e construção de insights, por fim se chega à etapa de realmente gerar valor à organização, que é na produção de produtos de Inteligência para o apoio aos usuários finais ou departamentos consumidores.
A lógica da divulgação deve sempre ser pensada como um funil. É preciso ter uma capacidade de síntese aprimorada, já que quem vai consumir os produtos não teve contato com a massa de dados e portanto se não for apresentado de forma coesa, os produtos perderão seu valor e deixarão de ser usados corretamente.
Segundo Lopes (2017):
Produto de Inteligência é um ativo de informação de alto nível, capaz de suportar processos de decisões, que podem ter vários formatos, escopos, objetivos e serem disseminados de maneiras também diversas.
Sobre os formatos, podem ser:
- Relatórios
- Emails
- Boletins
- Blog posts
- Vídeos
- Mensagens de texto
- Áudio
Pensando pela ótica do marketing, é preciso conhecer o consumidor final do produto de Inteligência e assim criar estratégias de tipos de produtos que atinjam o objetivo de informar. Não existe um padrão certo a ser adotado, especialmente pelo fato de cada pessoa ou departamento ter uma certa preferência de consumo. Para definir o modelo, é preciso realizar uma pesquisa interna a fim de entender o formato ideal para cada empresa.
Dependendo da frequência do envio dos produtos, é importante também alinhar o grau de complexidade para a criação de produtos de Inteligência. Existe realmente a necessidade de criar um boletim sendo que o mesmo conteúdo seria igualmente aproveitado se fosse gravado em áudio? É necessário fazer esses questionamentos, pois a agilidade com o qual a informação chega ao consumidor é também uma variável a ser considerada.
Uma das tarefas da área de Inteligência Competitiva é convencer quem recebe a informação. Para isso, independente do meio, utilize as melhores práticas de comunicação. Se o meio for escrito, faça uso de gráficos, para sintetizar ainda mais as informações. Se for por vídeo, faça uma material de boa qualidade e faça uso do storytelling, demonstrando a construção do sentido, desde a coleta aos insights.
Se quem consome não entender que existe uma lógica por trás do que está sendo apresentado, a área de Inteligência cai em descrédito, decisões deixam de ser tomadas com base nessas informações e a empresa não alcança vantagem competitiva.
Conclusão
A Inteligência Competitiva é uma atividade iniciante para a maioria das empresas no Brasil, seja por falta de mão de obra qualificada, seja pelo não entendimento da alta direção do valor que a sistemática pode trazer à empresa.
Podendo ser aplicada em qualquer empresa, de qualquer porte, os resultados esperados são sempre animadores. Independente do orçamento ou ferramentas, o mindset trazido pela sistematização do conhecimento por meio da coleta, reflexão e geração de produtos é o que agrega valor ao negócio.
O profissional especialista em IC tem a capacidade de trazer insights sobre tendências, inovações, movimentações de concorrentes, problemas internos a serem sanados, entre outras questões, por meio de seus estudos. Não existe empresa que pode ser dar ao luxo de descartar valiosas informações.
Olhando o macro cenário, devemos pensar em Inteligência Competitiva como algo de interesse nacional, já que as empresas brasileiras já não concorrem apenas com outras empresas brasileiras. A maioria dos setores estão sendo impactados diretamente por questões globais e é papel das empresas se defenderem dessas ameaças.